segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Manobra com dívida de campanha turbina verba de fundações de partidos

Entidades, muitas sem nem sede própria, vão dividir R$ 60 milhões em 2011, beneficiadas por aumento dos recursos do Fundo Partidário

A manobra promovida pelos partidos políticos no fim de 2010 para "estatizar" as dívidas de campanha ao aumentar os recursos orçamentários do Fundo Partidário, conforme revelado pelo Estado, acarretará no crescimento da verba destinada às fundações e institutos ligados às siglas, que chegará a R$ 60 milhões em 2011.

O Estado obteve informações sobre a aplicação desses recursos pelas quatro maiores fundações e institutos partidários do País. Os dados mostram que as entidades gastam, em média, R$ 1.746 por dia com o pagamento de diárias e hospedagens e pagam salários de até R$ 13 mil a seus integrantes.

Os recursos enviados para as fundações e institutos ligados aos 27 partidos políticos para subsidiar a "doutrinação e educação política" da população cresceram 55% em 2011. No ano passado, foram repassados R$ 38,6 milhões. Após articulação dos partidos no Congresso durante a negociação do Orçamento, no fim de 2010, a verba pública destinada às legendas por meio do Fundo Partidário cresceu 62% e chegará este ano a R$ 265 milhões.

Nos dez anos entre 2002 e 2011, as fundações e institutos partidários receberão cerca de R$ 370 milhões em repasses do fundo, em valores atualizados pela inflação. Do total, R$ 320 milhões são oriundos dos cofres públicos e R$ 50 milhões se referem a recursos arrecadados com multas pagas pelos próprios partidos, por candidatos e eleitores.

Cinco fundações ligadas aos maiores partidos (PT, PMDB, PSDB, PR e DEM) serão destinatárias de 63% das verbas repassadas a esse tipo de entidade em dez anos - cerca de R$ 235 milhões, em valores atualizados.

De acordo com o artigo 44 da Lei 9.096/95, os partidos devem destinar pelo menos 20% dos valores do Fundo Partidário para fundações ou institutos com o propósito de promover "doutrinação e educação política".

Apesar dos milhões em recursos recebidos, a maioria dessas entidades não tem sede própria nem possui oficialmente um corpo de funcionários. Elas funcionam como apêndices dos partidos e chegam a repassar recursos para atividades das legendas não necessariamente relacionadas às atividades previstas na lei.

A Fundação Ulysses Guimarães (PMDB) e os Institutos Teotônio Vilela (PSDB) e Liberdade e Cidadania (DEM) funcionam em salas no Congresso. De acordo com o Senado e a Câmara, as entidades pagam aluguel, conta de luz e água por usar o local.

Verba. Neste ano, todas as fundações vão abocanhar uma fatia maior de recursos do fundo - a verba é dividida, entre outros critérios, segundo desempenho da sigla na eleição para a Câmara.

A Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, foi a maior beneficiada pela ampliação das verbas. De R$ 5,6 milhões em 2010, chegará a R$ 9,7 milhões em 2010. A entidade promoveu duas pesquisas, seminários e oficinas no ano passado. Sua editora publicou 20 obras.

Outro que terá os cofres reforçados é o Instituto Álvaro Valle, ligado ao PR. Recebeu em 2010 R$ 1,9 milhão, mas neste ano serão pelo menos R$ 4,4 milhões.

A entidade funciona na sede do partido, e os próprios funcionários não têm conhecimento das atividades. Não se tem notícia de uma publicação ou evento realizado no ano passado. O instituto não respondeu questionamento do Estado sobre as publicações e eventos de doutrinação política promovidos em 2010.

A Ulysses Guimarães, que tem como principal atividade promover cursos à distância, receberá R$ 7,5 milhões - no ano passado, foram R$ 5,4 milhões.

Os Institutos Teotônio Vilela e Liberdade e Cidadania terão crescimento mais modesto. O primeiro passará de R$ 5,1 milhões para R$ 6,8 milhões. A principal ação realizada no ano passado foi o Comunicar-45, que mobilizou militantes tucanos em 12 Estados. O segundo ficará praticamente com a mesma quantidade de recursos: R$ 4,4 milhões.

Em 2008, ao investigar a aplicação dos recursos por fundações com sede em Brasília, o Ministério Público do Distrito Federal concluiu que parte do dinheiro era destinada a fins indevidos. "O acompanhamento das fundações é mais detalhado que o feito nos partidos pela Justiça Eleitoral", disse o promotor Ayrton Grazzioli, responsável pela fiscalização das fundações em São Paulo.

Em 2008, o PSDB e o DEM questionaram exigências feitas pelo Ministério Público e entraram com um pedido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que nem todas as normas das fundações se aplicassem às entidades partidárias. A Justiça entendeu que, por serem vinculadas a partido e receberem recursos públicos, nem todas as normas das fundações de direito privado se aplicariam a elas.

Na década de 70, o País montou o modelo de fundações inspirado no alemão - uma das mais ativas do mundo é a Konrad Adenauer, que leva o nome do primeiro chanceler alemão e é ligada ao CDU (União Democrata Cristã da Alemanha).

"As fundações ajudam a construir a democracia ao elaborar o programa partidário, cuidar do recrutamento e servir de abrigo para quadros que tiveram revezes eleitorais", afirma o cientista político Carlos Henrique Cardim, professor da UNB. Um dos destinos que o ex-presidenciável do PSDB José Serra pode tomar é presidir o Teotônio Vilela.

"Os partidos não têm sabido usar na devida dimensão o potencial das fundações. Há acomodação nas classes políticas, como, por exemplo na questão da renovação", completou Cardim.



*Fonte:www.estadao.com.br

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