Vinícius de Moraes, nasce no dia
19 de outubro, na Rua Lopes Quintas nº 114, no bairro do Jardim Botânico, na
cidade do Rio de Janeiro, o “poetinha”, como ficou conhecido, era na verdade um
grande poeta, um dos melhores que tivemos nos últimos anos, adotou o substantivo
como adjetivo para se fazer mais próximo das coisas do povo, do mundo mundano.
Com a modéstia do apelido, procurava estar no nível do cidadão mediano, sua
elevada cultura, sua carreira de diplomata, abriu passagem para o samba, para
poesia fácil, para a boêmia, bossa nova, uísque e as mulheres. Vinícius no seu
“Samba da benção”, tasca desde logo o que lhe inspira na vida:
“É melhor ser alegre
que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração...”
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração...”
Porque o samba
nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
E presta reverência à tristeza do homem simples, do negro,
dos que foram escravos, como tempero para alegria, farra e festa do povo
brasileiro:
“Eu, por exemplo, o
capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!”
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!”
Ao final nos brinda com a
assertiva funda e penetrante sobre a vida:
“A vida não é
brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida”
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida”
Para o poeta, o uísque era o
cachorro engarrafado, o melhor amigo do homem. Eram companheiros inseparáveis:
a garrafa, o copo, para sorver um bom uísque e o cigarro como que a tragar
sonhos e delírios e expirar versos. Os sonetos foram sua marca registrada, a
maioria dos apaixonados, dos enamorados e dos sedutores, preferem ou já
recitaram no “soneto de fidelidade” com empolgação o seu fecho: “Eu possa me dizer do amor
(que tive): Que não seja imortal, posto que é chama; Mas que seja infinito
enquanto dure.” Eu da minha parte prefiro o “soneto da
separação”, talvez porque mais próximo da vida como ela é:
De repente do riso
fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma
fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente não mais
que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo
próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
Para concluir, um longo poema, um épico, uma fantástica homenagem aos
operários brasileiros, em uma fase onde a luta política e o engajamento pelas
causas sociais davam o tom nos bares, botecos e nas ruas, escreveu Vinícius:
E foi assim que o
operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua
marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse:
Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Neste ano, quando faria 100 anos, sinto a falta do Vinícius de Moraes
entre nós, e, com mais rigor a falta de poetas com a sua envergadura
intelectual e sinceridade poética.